sábado, 17 de julho de 2010

Janta

São oito horas da noite. Eu o espero impaciente, andando de um lado para o outro. Ligo a TV, numa tentativa fracassada de me distrair, zapeio por vários canais, nada me interessa. Tudo o que quero é ouvir o ruído estridente da campainha estragada, o som de seus pés pesados ressoando no chão. Anseio escutar aquele caminhar lento com passos largos de alguém exaurido.
Um torpor começa me invadir, talvez de tanto olhar os ponteiros do relógio que se movem freneticamente.
São nove horas. E nada dele. Levanto-me do sofá, largo o controle em cima do criado-mudo, e penso: ainda bem que o criado é mudo, senão poderia contar minha aflição para ele, quando entrasse por aquela porta. E o que ele acharia do que lhe fosse contado? Ele diria que sou insegura ou me mandaria embora?
Ligo o rádio. São nove horas e trinta minutos. Horário de Brasília, segundo o radialista.
Mais uma tentativa frustrada.
Vou para cozinha, como sozinha a comida japonesa que havia comprado no restaurante da esquina. Narezushi. Apago com um forte sopro as duas velas que enfeitam o centro da mesa e bebo sedenta o vinho branco.
Olho novamente no relógio, são dez horas. Penso em ir embora e ficar um bom tempo sem enxergar aquele rosto. Estou cansada de atrasos e decepções. E desta vez não irá haver flores que o perdoem. Nem bombons que o deixem esbanjando um ar de fofura ao me entregar.
Recuso-me a ir. E acabo cerrando os olhos lentamente, enquanto fico esparramada no sofá.

Abro os olhos abruptamente, ainda sem total conciencia, reparo que estou na cama dele, coberta por rosas vermelhas. A luz do sol por de tras da janela queima em minha pele. Encontro seu espaço vago na cama. E colado em seu travesseiro um bilhete, dizendo que era para eu ir até a cozinha, pois o jantar já estava pronto. Subitamente olhei para o relógio. Eram dez horas da manhã.
Totalmente escabelada e com meu vestido de cetim completamente amassado, calcei suas pantufas e corri para cozinha. Eu não estava compreendendo nada. Quem é a pessoa em sã conciencia que janta às dez horas da manhã?
E lá estava ele, debruçado sobre a mesa, e quando notou minha presença em seus lábios nasceram um belo sorriso. Tentei o olhar com raiva por ter me deixado esperando a noite inteira, mas perante aquele sorriso era impossivel sentir algo que não fosse alegria. Alegria de saber que o dono daquele sorriso, era o mesmo homem a quem pertencia o meu coração.
E só de ter aquele sorriso, logo pela manhã, o livrou de uma enorme enrascada. E não era preciso flores, nem bombons. Só aquele sorriso torto de desculpas.
- Nunca conheci alguém que almoçasse às dez horas da manhã – falo o olhando fixamente.
- E eu nunca conheci uma mulher tão paciente e que goste de um cara que janta às dez horas da manhã – ele falou, vindo em minha direção.
- Mereço uma explicação? – falo, enquanto o olho com um ar de piedade.
- Fiquei esperando você no seu apartamento, queria te fazer uma surpresa, mas esqueci de que já havia marcado um jantar aqui em casa - ele disse um pouco encabulado.
- Desmemoriado. Um dos seus poucos defeitos – digo com uma voz melosa.
- Vamos deixar minha memória de lado. Quer jantar, senhorita? – ele fala, arrastando a cadeira, como galãs fazem em filmes romanticos.
- Por que jantar essa hora? – pergunto enquanto vou sentando.
- Para os que amam não existe tempo. Horas são um belo artificio matemático, devem ter sido inventadas por algum filosofo maluco que nunca amou – ele disse de um jeito que me deixou sem ar.
- Tenho uma surpresa! – exclamou ele ainda mais sorridente.
- O que é? – pergunto ainda confunsa.
E de repente ele está ajoelhado, segurando uma caixinha entreaberta. Então, vejo aquele belo anel, que só alguém de excelente bom gosto poderia ter comprado.
- Eu te amo. Você quer jantar comigo todos os dias as dez horas da manhã? – perguntou ele.
Meu coração começa a martelar em meus ouvidos. Não consigo reprimir as lagrimas. Minha voz começa a falhar.
- Eu te amo tanto. E é claro que quero jantar com você todos os dias às dez da manhã – respondo lentamente, apesar da imensa alegria deste momento.
Nossos lábios se encaixam. Então, percebo que ele é a peça do quebra-cabeça que faltava. E que jantar sob a luz do sol é tão romantico quanto sob a luz da lua.

Leia ouvindo: I Need You Now - Lady Antebellum

Um comentário:

Lampião disse...

Poético e belo! :)