Sim, talvez ela tivesse bebido para mais. Queria aliviar o
peito. Queria esquecer algumas coisas, mesmo que somente por uma noite. Vodca.
Rum. Whisky. Licor. Champanhe. Vinho. Cerveja. Bebia o que houvesse. Bebia água
e achava o gosto estranho. Bebia como se no fundo do copo existe a solução de
todos os seus problemas. Mas na realidade queria somente um gole de felicidade.
Ela sempre odiou seu corpo. Seu nariz achatado. Sua barriga
saliente. Suas pernas tortas. Seus lábios pequenos. Seus olhos grandes demais.
Tudo ia se acumulando. Somado aos amores passados e os malpassados também, as
dores atuais e até os problemas de família. Acabou misturando todas suas
decepções naquela noite.
Despejava
suas verdades nos ouvidos de quem estivesse disposto a ouvi-la. Foi presa em
vários braços, mas se permitia a fuga. Porque os únicos braços que poderiam lhe
afagar estavam cruzados. Ele a olhava indignado, como se ela estivesse
cometendo um grande crime, quando na realidade nem ela conseguia se pertencer.
Aos risos negava o que lhe propuseram. Sentia nojo de si mesma. Queria era o
colo de quem a fitavam com desprezo sentado no sofá. Queria nunca mais ver
aqueles rostos que a zombavam em silêncio.
A lareira da pequena saleta quente iluminava suas bochechas
vermelhas. O rock alto badalava em seus
ouvidos. Seus olhos se marejavam enquanto contava seus desastres amorosos a um
estranho. Cansou-se de esperar que aquele corpo repousado sobre o sofá se
levantasse, viesse ao seu encontro e a aprisionasse em seus braços. Ela não
recusaria aquele abraço protetor que já havia zelado seu corpo em outras noites
frias. Ela estava disposta a esquecer do passado e começar a escrever no
presente a partir daquele sábado. Mas nenhuma palavra foi proferida, nenhum
toque chegou a existir. Aquela festa escandalosa ficou simplesmente guardada na memória da
menina com cheiro de vinho e com gosto de lágrimas.
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