Saí apressada da casa de minha
mãe. Mal fechei o portão e corri feito uma desvairada, batendo os saltos de meu
sapato Schutz contra os paralelepípedos. Devido ao problema do meu carro e minha
agenda lotada, apesar do meu sedentarismo gritante, resolvi correr. Mesmo que
minha forma de corrida fosse desastrosa.
Era bom
respirar os velhos ares. Parecia que a cidade ainda era a mesma de minha
adolescência. Percebi enquanto meus olhos percorriam rapidamente o cenário ao
redor, acompanhando o ritmo de meus passos longos e rápidos. A única coisa que
havia mudado naquilo tudo era eu. O resto ainda parecia meio arcaico me lembrando
dos meus resmungos de adolescente.
Aconteceu
o que estava previsto: tropiquei. Em um piscar de olhos estava caída de quatro
no meio da rua. Olhei ao redor para calcular o tamanho do vexame. Senti-me
aliviada ao perceber que era a única pessoa naquela rua quase deserta às nove
da manhã, exceto pelo carro branco que parou ao meu lado. Primeiramente uma
criança loira desceu do automóvel e entrou na escola de artes marciais. Logo após, um homem de cabelos negros desceu
do mesmo veículo. Surpreendi-me ao vê-lo caminhar em minha direção.
−
Você está bem? – perguntou-me enquanto estendia sua mão para me ajudar
levantar.
−
Sim, obrigada – falei enquanto limpava os joelhos sujos. Foi quando notei
o sangue. O esfolo tinha sido bem doído, do mesmo modo que meus hematomas que
adquiri tentando aprender a andar de bicicleta quando criança.
−
Seu joelho está sangrando, acho melhor limpar isso, pode gerar infecções –
disse-me com os olhos verdes refletindo certa preocupação.
−
Isso é o que acontece com pessoas desastradas – falei tentando extrair algo
humorístico daquela situação constrangedora.
−
Posso te dar uma carona até em casa – falou-me gentilmente o homem.
− Não,
obrigada. Tenho um compromisso e estou muito atrasada. Acho que acabei caindo
porque tive a grande ideia de ir correndo com esse sapato alto.
− Onde é seu
compromisso? – perguntou-me delicadamente.
− Na Livraria
da Praça – respondo-lhe.
− Eu trabalho
no bar ao lado. Te dou uma carona.
− Que gentil!
Não recusarei – falo sorrindo, tentando ser simpática com aquele homem dono de
uma beleza extraordinária.
Ele me era
familiar. Examinei-o de cima a baixo enquanto ele dirigia. Parecia que eu já
havia desbravado aqueles olhos verdes. Aquela boca carnuda não me era estranha.
Aquele modo gentil de falar me era conhecido. Aqueles ombros largos me davam a
sensação de reconhecimento. Então, olhei para seu pulso direito, onde havia uma
tatuagem em formato de estrela.
Ai, Meu Deus! Era ele. Era John. Como
pude não o reconhecer antes? Esses dez anos longe de minha cidade natal
passaram lentamente e provocando grandes mudanças. Será que ele me reconheceu? Estremeço
ao me lembrar do passado.
− Chegamos! – ele disse e sem querer
nossos olhos se encontraram.
Fiquei hipnotizada pela ideia de ter
alguns centímetros de distância de mim o meu amor adolescente. Tudo bem que ele
não correspondia ao meu sentimento, mas foi graças aquele amor platônico que
fui acolhida pelo mundo literário. Ele e a decepção que gerou em mim me fizeram
a escritora que sou. E agora eu aqui. No carro do cara que não me amava. De
volta às minhas origens. Na porta da livraria onde comprei meus primeiros
livros da Nora Roberts.
− Obrigada pela carona e pela ajuda –
falei e senti minhas bochechas arderem de vergonha.
− De nada – ele disse.
Saí do carro do homem que mais amei,
do meu modo mais intenso e frenético (com direito a alguns anos de terapia),
concluindo que ele nem se lembrava de mim. Fazendo-me acreditar que o passado
não deveria ser desenterrado.
2 comentários:
Que saudade daqui hihi. provavelmente você não deve se lembrar de mim, hihi, pois eu voltando agora com o blog, e vou estar sempre acompanhando o seu hihi. Tá lindo aqui. bjos
Oi Lara, obrigada por acompanhar o blog, bjs.
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