Johnny Boy,
assim que era chamado por seus amigos, e foi com esse codinome que eu o
conheci. Começamos a conversar logo após de uma crônica minha ter sido lançada
em um jornal estadual. Trocamos várias ideias e chegamos à conclusão de que
tínhamos pontos de vista parecidos.
A partir
daquilo nos aproximamos cada vez mais. Paulatinamente eu encontrava fragmentos
meus nos olhos dele e vice-versa. Era algo mágico, eu habitando a alma dele e
sendo refletida naqueles grandes olhos verdes que pareciam um par de bolinhas
de gude. Não sei como, nem o porquê daquelas coisas acontecerem.
Eu me
apaixonava pelos livros que ele me indicava, pelas músicas que cantava e pelo
seu apego a família. Eu via nele o pai dos meus filhos e o meu esposo perfeito,
apesar de renegar esses clichês femininos. Todos me criticavam quando revelei
estar apaixonada. Jogavam na minha cara que a minha tristeza era iminente. E
realmente foi. Mas aquele sentimento era o que me norteava e me ensurdecia
naqueles meses que me engoliam.
Não era a
maconha que provocava aqueles delírios, nem era o pó que me apagava. Era aquela
paixão que ora me levava ao céu, ora me levava até o inferno. E muitos dos
nossos encontros acabavam no hospital. Johnny colecionava inúmeras quase-overdoses.
Enquanto a minha overdose era dele.
Numa noite
quente de novembro, eu resolvi me entregar. Foi a primeira e única vez em que
fui ao apartamento dele. Com bebida alcoólica demais no organismo, nem me lembro
de como chegamos lá. Apenas me lembro do
modo que ele deslizava as mãos por meus braços, o quanto beijava meus lábios
rispidamente, ferozmente enfiando sua língua despudorada em minha boca que insistia
em continuar fechada. Prendia-me naquela cama com seu peso sobre mim. Enquanto rasgava
meu vestido frágil de cetim, eu olhava para o cenário catastrófico ao meu
redor. Onde estava a sua prateleira cheia de livros de poesia? Onde estavam as
fotos da família? Onde estava aquela pessoa que me inebriava por transparecer
sinceridade?
Eu desejava
que aquelas paredes verdes e velhas que me causavam náusea se esfarelassem e
ficassem no mesmo aspecto do pó que sorvíamos nas madrugadas. E as minhas mãos
que antes tanto queriam mapear seu corpo, agora queriam arranhá-lo até sangrar.
Eu não o desejava mais, pelo menos não aquele João que estava me aterrorizando.
Como ele pode me enganar dessa forma?
Não era uma
simples questão de abrir ou não as pernas. Eu não lhe ofereci meu corpo. Eu
havia lhe oferecido minha alma para ser o repouso dele. De onde surgiu aquela grosseria? Ele não me
deixava escapar, me agarrando com uma força sobrenatural. Eu choramingava,
implorando para ele me levar para casa, dizendo que não queria fazer aquilo.
Era mais um dos meus sonhos que virava pesado. Quanto mais eu gritava, mais meu
eco retumbava.
Eu o
estapeava, mas eu não conseguia achar forças o suficiente. O choro me deixava
fraca. Enquanto sentia sua ereção contra as minhas pernas, eu o implorava que
parasse. Mas os seus olhos verdes não transpareciam mais ternura. A porta do
quarto era toda riscada com desenhos horripilantes que somente tornavam aquele
cenário ainda mais amedrontador.
Quando ele me
penetrou, a dor se espalhou por todo o meu ser. Eu havia me deixado envolver
por um falsário. Aquilo não era amor, e sim uma agressão. Não doía a ideia de
ter deixado de ser intocada. O que mais latejava era a ideia de ter sido
enganada por um grande ator. Aqueles atos brutais soterraram as memórias boas. E a poesia que dele exalava se calou. A partir
daquela noite, os poemas de Vinícius de Moraes perderam o brilho e virei uma
niilista seguidora de Augusto dos Anjos.
Um comentário:
Que triste... mas bem escrito. Gostei
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