Eu
sempre saía de casa com o desejo de me esbarrar em você em uma esquina
qualquer. E quando isso não acontecia, eu te projetava em outros corpos, porque
eu acabava sempre vendo alguém com feições parecidas com as tuas. Talvez eu
devesse me contentar com a colcha verde de retalhos que você deixou sobre a
minha cama antes de partir ou com o perfume impregnado no travesseiro.
Foi em um dia
frio, na lanchonete da esquina de casa que ele surgiu bebericando café. Ele
tinha o mesmo semblante teu e juro que quando o vi, pensei seriamente que era
você. Coitado dele, mais um boneco que usei pra essas minhas maquiavelices. Como
ele podia ser tão parecido contigo?
As minhas pernas
não ficaram bambas ou coisas do gênero, nem meu coração pulsou mais forte, e
nem houve clichês de novela. A única coisa que houve foi uma dor que percorria
todo o meu ser, como punhaladas continuas e lentas.
Nas mãos ele
segurava uma antologia de Manuel Bandeira. Diferente de você, que vivia lendo
Millôr Fernandes. Nos olhos verdes dele não havia resquícios de mágoa, como nos
seus existem gritantemente. A boca dele era carnuda também, mas sem gosto de
cigarro.
Parti para o
xeque-mate, achando que ele sustentaria todas minhas ilusões. Preencher o teu
lugar com um clone parecia uma ideia genial. Realmente, ele era lindo. E
contava história das viagens que fazia para o Timor Leste. Lia livros clássicos
e escrevia poemas concretistas.
Eu o aceitei
em minha vida, ele inocentemente acreditava em meus sentimentos, enquanto eu só
estava tentando tapar os buracos do passado. Ás vezes eu achava que aquilo
poderia mudar e que sentimentos bons poderiam proliferar subitamente daqueles
abraços melosos e de noites intensas.
Levei aquela
enrolação até o último instante. Até a hora de ele se mudar para o meu
apartamento e querer me mudar, sem contar o fato de que ele queria te apagar de
mim. Só que obviamente apagar você de mim, requeria apaga-lo também. Afinal de
contas, você era o motivo da emboscada que eu me meti.
Chegamos ao
ponto de quase nos estapearmos. Tudo ele discordava. Nada estava bom. Desde as
minhas ideologias até a decoração de casa. E o estopim para que começasse a
verdadeira guerra foi o comentário sobre a sua colcha verde. Recusei-me a
doá-la, vende-la ou joga-la no lixo. O teu perfume já havia sido substituído no
travesseiro, mas da colcha eu não me desfaria.
Eu prefiro
tuas músicas. Eu prefiro teu cheiro. Eu prefiro teu sorriso contraditório aos
teus olhos. Eu prefiro tuas bobagens diárias a essa maré de intelectualidade
que afoga meus ouvidos. Não me basta uma imagem plagiada de ti. E a nossa
colcha eu não jogo fora, porque é ela que me aquece nessas noites de inverno. Ele
era só o teu físico transitando pela rua da minha casa. Era só a tua carcaça. Só isso não me contenta.
3 comentários:
Quando a gente ama de verdade, esse amor permanece em nosso coração por muito tempo. E fica difícil de esquecer. Muito legal esse texto. Adorei ler e a sua maneira de escrever.
percepcaooculta.blogspot.com
Ah, meu coração... Tu escreve lindamente.
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