Estou aqui no quinto andar da ala
leste da tua casa. Observando uma pequena fatia da Porto Alegre de teus amores.
A chuva pinga em meu rosto, mas não me afeta. As pessoas de dentro do café
acham que estou surtada, talvez pelo meu olhar inquieto ou pelas minhas
vestimentas esdrúxulas.
Fazia muito tempo que eu não me
permitia voltar até aqui. É incrível todas as sensações que esse lugar projeta
em meu ser. Sinto-me mais humana e ainda mais amante da arte. É uma pena que
esse mundo a parte tenha sido erguido somente após a tua morte, pois com
certeza esses ares são ainda melhores que aquele velho hotel de tuas mortas
memórias.
Agora eu mesma acredito em meu surto:
acabo de te ver em carne e osso sentado na cadeira ao meu lado - piscando
galantemente e bebericando um cafezinho. Logo que percebeu meu espanto ao ver
um morto, começa a sorrir, como se isso amenizasse o fato sobrenatural que está
regendo o momento mais maluco de minha vida.
Será a setralina com um efeito rebote?
Será o vinho de ontem? Será que tinha algo de ilegal no buffet de hoje?
- A tua arte poética é
verdadeira, menina. Não aparentas estar a fazer relatórios, pois deixa
implícito muitas coisas. Tua arte é poética. Tua vida é poesia. – sussurrou ele
calmamente.
- Isso é um absurdo! – digo
indignada.
- A coisa mais absurda da vida é
a própria vida, querida − ele continua a manter a calma em sua voz enquanto
fala.
- Isso é muito estranho. Não
estavas tu morto?
- Os vivos e os mortos sempre
tiveram uma coisa em comum: não acreditamos muito uns nos outros... Mas está na
minha hora, preciso regressar, por mais que eu tenha escrito um “Velório sem
defunto” meu caixão no cemitério me espera.
Após proferir a última frase,
aquela imagem tão real, tão de carne e osso se dissipa. Os meus pensamentos
ficam ainda mais embaralhados. Tenho então a ideia de questionar o garçom,
teria ele visto também o Mario Quintana?
- Não vi nada estranho, somente percebi
você conversando com um passarinho, mas não o achei muito parecido com o
Quintana – zombou o funcionário do café.
2 comentários:
Se te referes a Casa de Cultura Mario Quintana, realmente é um lugar mágico. Dá até arrepios!
É a Casa de Cultura, Vanessa. Muito linda por sinal, né?
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